terça-feira, 12 de novembro de 2013

Revisitando Hamlet por Antônio Aruanda



 Foto: Alessandra Novhais

 

Ao final do espetáculo me peguei em êxtase e me perguntei por que, já que a peça se tratava de uma tragédia: investiguei minha alma insana e ratifiquei sim que de sádicos, masoquistas, incestuosos, prepotentes, frágeis e loucos, todos temos um pouco e não adianta mascarar sombras, não, figura. Por mais que as escondamos, elas sempre se mostram e quanto mais as ocultamos, com maior veemência se evidenciam. A tendência de toda represa um dia será ser destruída pelas águas que conteve durante anos.

Arrisco-me realmente a generalizar: todos somos Um Hamlet. E ter visto essa peça dirigida por Teresa Costalima, no Café-teatro Sitorne, na quinta-feira, dia 07 de novembro de 2013, ás 20h00, me fez gozar. E gozo porque entendo teatro como a manifestação pura do orgasmo ainda que trate de algo que doa e incomode, afinal o limite entre a dor e o prazer é menor do que um fio de cabelo.

Tudo enfim me encantou: desde a entrada com aquela luz vermelha, a bandeja com carne crua (cadáver de algum animal molestado pelo bicho homem) e sete velas brancas acesas. A música altamente dionisíaca me trouxe lembranças orgásticas e um sentimento de proximidade com a morte e com a magia – gosto disso!

Senti uma inveja saudável da equipe técnica goticamente vestida e pintada. Queria estar daquele jeito também. O cenário bonito e objetivo: mesa, cadeiras, retratos dos antepassados do príncipe dinamarquês, o trono libidinoso e decadente, bacias, outros elementos e os televisores – senti falta de imagens neles – me deixou confortavelmente situado entre o passado e o presente.

Sustentada no delírio shakespeariano e no Hamlet Machine, de Heiner Müller, a experiência cênica tem um visgo. Prendeu-me pelo fato de ser extremamente visceral. O texto é forte e precioso, e também valioso foi o que li nos corpos e olhos do elenco: como eles falam o tempo todo! Como se amam e se torturam e nesse jogo louco, a gente pira na carência absurda dos personagens. Eles se precisam e se buscam intensamente, mesmo que seja para se destruírem. Buscam-se também porque se amam – Ah! O amor com todas as suas nuances...

A matemática sonoplástica e iluminadora temperando as cenas que se desfilam pelos meus olhinhos esquizocênicos são coisas também notáveis! Cada emoção e ideia ganham seu tom e sua cor tão 2 + 2 = 4 que To be or not to be extrapola o interior duvidoso do príncipe aloprado, da mãe sufocante, da amante deslumbrada, do irmão impotente, das faces da morte, do coro e me acerta no peito. Dói sim, fere; mas ajuda no sentido de refletir sobre minha própria condição humana e pensar no que ainda há a ser mudado e no que manterei por acomodação, por preguiça e por estar de saco cheio de digladiar com todos os meus eus.

Enfim, vale a pena ver. Vai tá rolando nas quintas e sextas de novembro, Café-teatro Sitorne, às 20h00 e espero que você tenha a sorte de, como eu, ganhar um aperto de mão da Rainha viúva e um singelo pirulito da doce Ofélia. Merda!

Barra do Pojuca, Camaçari, 10 de novembro de 2013.

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