Ao final do espetáculo me peguei em
êxtase e me perguntei por que, já que a peça se tratava de uma tragédia:
investiguei minha alma insana e ratifiquei sim que de sádicos, masoquistas,
incestuosos, prepotentes, frágeis e loucos, todos temos um pouco e não adianta
mascarar sombras, não, figura. Por mais que as escondamos, elas sempre se
mostram e quanto mais as ocultamos, com maior veemência se evidenciam. A
tendência de toda represa um dia será ser destruída pelas águas que conteve
durante anos.
Arrisco-me realmente a generalizar:
todos somos Um Hamlet. E ter visto
essa peça dirigida por Teresa Costalima, no Café-teatro Sitorne, na
quinta-feira, dia 07 de novembro de 2013, ás 20h00, me fez gozar. E gozo porque
entendo teatro como a manifestação pura do orgasmo ainda que trate de algo que
doa e incomode, afinal o limite entre a dor e o prazer é menor do que um fio de
cabelo.
Tudo enfim me encantou: desde a
entrada com aquela luz vermelha, a bandeja com carne crua (cadáver de algum
animal molestado pelo bicho homem) e sete velas brancas acesas. A música
altamente dionisíaca me trouxe lembranças orgásticas e um sentimento de
proximidade com a morte e com a magia – gosto disso!
Senti uma inveja saudável da equipe
técnica goticamente vestida e pintada. Queria estar daquele jeito também. O
cenário bonito e objetivo: mesa, cadeiras, retratos dos antepassados do
príncipe dinamarquês, o trono libidinoso e decadente, bacias, outros elementos
e os televisores – senti falta de imagens neles – me deixou confortavelmente
situado entre o passado e o presente.
Sustentada no delírio shakespeariano
e no Hamlet Machine, de Heiner
Müller, a experiência cênica tem um visgo. Prendeu-me pelo fato de ser
extremamente visceral. O texto é forte e precioso, e também valioso foi o que
li nos corpos e olhos do elenco: como eles falam o tempo todo! Como se amam e
se torturam e nesse jogo louco, a gente pira na carência absurda dos
personagens. Eles se precisam e se buscam intensamente, mesmo que seja para se
destruírem. Buscam-se também porque se amam – Ah! O amor com todas as suas
nuances...
A matemática sonoplástica e
iluminadora temperando as cenas que se desfilam pelos meus olhinhos
esquizocênicos são coisas também notáveis! Cada emoção e ideia ganham seu tom e
sua cor tão 2 + 2 = 4 que To be or not to
be extrapola o interior duvidoso do príncipe aloprado, da mãe sufocante, da
amante deslumbrada, do irmão impotente, das faces da morte, do coro e me acerta
no peito. Dói sim, fere; mas ajuda no sentido de refletir sobre minha própria
condição humana e pensar no que ainda há a ser mudado e no que manterei por
acomodação, por preguiça e por estar de saco cheio de digladiar com todos os
meus eus.
Enfim, vale a pena ver. Vai tá
rolando nas quintas e sextas de novembro, Café-teatro Sitorne, às 20h00 e
espero que você tenha a sorte de, como eu, ganhar um aperto de mão da Rainha
viúva e um singelo pirulito da doce Ofélia. Merda!
Barra do Pojuca, Camaçari, 10 de
novembro de 2013.
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